sábado, 30 de maio de 2009

"Entrevistas" na Educação Infantil... um desafio!



Um desafio e tanto! Assim posso classificar a unidade 3 da inovadora interdisciplina de Questões Étnico-Raciais na Educação: Sociologia e História. Como atuo com crianças de aproximadamente 3 anos e não teria como aplicar as entrevistas em outra escola, optei por adaptar uma atividade com outra turma da escola, com alunos acima de 4 anos. Meu objetivo foi tentar perceber se o aluno identifica algumas características que definem sua etnia e como se sente com relação a isso. Resumindo, foi assim:

...

Como a maioria dos 20 alunos da turma já me conhecia, as apresentações foram breves e eu iniciei a dinâmica com todos sentados em círculo sobre o tapete da sua sala . Apresentei uma caixinha muito antiga e misteriosa – meu velho porta-jóias de madeira – e expliquei que cada um de nós, ao abri-lo, poderia - ou não - visualizar um tesouro muito raro e valioso, descrevendo-o em voz alta para todos, se assim desejasse. Os primeiros a abrirem a tampa da caixinha, ficaram confusos, pois não havia nada lá dentro, além do espelho preso à própria tampa.
- O que tem lá dentro? – insisti.
- Tem eu! – respondeu a menina, deslumbrada diante de sua imagem, como se fosse a primeira vez que a confrontasse ao espelho.
- E como tu és? – desafiei. – Teus olhos, teus cabelos, tua pele...


E então todos compreenderam a proposta e passaram a se descrever no momento em que empunhavam a “caixinha mágica”, inclusive auxiliando os colegas mais tímidos a verbalizar características como a cor e o formato dos olhos, a tonalidade da pela, a cor e a textura dos cabelos, entre outras. Além disso, eu questionava se a sua imagem lhes era agradável, se eram perecidos com o pai, a mãe, os avós, se se consideravam bonitos, se os colegas concordavam...
- SIIIIM !!! - era a resposta a todas essas indagações.
Por coincidência, o último a abrir a caixinha e falar sobre suas características foi um menino mulato e, quando ele se calou, eu ia encerrar esta parte da brincadeira, mas ele voltou a falar, dizendo que tinha esquecido de dizer algo:
- Faltou a cor da pele... escura! E os meus cabelos são enrolados!
E, como eu perguntara a todos, indaguei:
- E tu te achas bonito?
- Sim, eu sou lindo! – respondeu ele, com um sorriso meio envergonhado, decerto pela falta de modéstia, mas coberto de razão, pois ele é lindo mesmo e vive ouvindo esses elogios...

Ao menos neste momento, o aluno afro-descendente não demonstrou vergonha por algumas das características que definem a sua etnia, pelo contrário, demonstrou orgulho e confiança, destacando que sua mãe – provedora de MUITO afeto - lhe diz que ele é lindo. Durante a dinâmica, a professora da turma e os colegas concordaram com ele – sobre ser lindo, o que considero um importante passo inicial no estabelecimento de relações interpessoais libertadoras do processo de aprender.


Apesar da triste realidade de discriminação que prevalece na sociedade, espero, sinceramente, que a auto-imagem positiva e a relação de amor com a escola e com os colegas prevaleçam por toda a vida desse menino, pois, como bem lembra uma personalidade negra de grande influência no mundo atual... "ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar." (Nelson Mandela)

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Acredito que a escola e os professores, de modo geral, não estão preparados para atenderem a todas as necessidades descritas de maneira satisfatória, pois ambos provém de um modelo arcaico de evolução e formação que, infelizmente, ainda está impregnado por um ranço discriminatório difícil de apagar.


O professor consciente de seus deveres pode, com criatividade, conciliar os conteúdos a serem desenvolvidos em sua sala de aula com os anseios de seu alunado afro-brasileiro. Isto é possível se ele entende e valoriza as diferentes culturas existentes e modifica as crenças preconceituosas sobre os alunos. Atividades e discussões acerca das riquezas originadas pela diversidade observada em cada espaço educativo - e em cada núcleo familiar – certamente contribuem positivamente para o sucesso dessa caminhada rumo à aprendizagem significativa de todos os alunos - negros, brancos, pardos, índios... enfim, seres humanos capazes de construir uma história escolar digna de orgulho.

Um comentário:

Patricia Grasel disse...

Querida Cristina,

Vc não imagina o quanto foi maravilhoso ler sua postagem, me transportei imaginariamente para o momento da sua rodinha... que relato fantástico. Sua ideia de colocar a imagem do "eu" (aluno) como o tesouro foi extremamente coerente para uma turma de educação infantil. Ler o que o menino mulato falou ao se olhar no espelho do porta-jóias para mim foi emocionante. Concordo com todas as tuas colocações e te parabenizo pela comptência que tiveste em fazer de uma entrevista uma experiência rica de teória e prática e agradeço por compartilhar na rede. Depois de ler sua postagem fico com uma certeza mais forte que é lamentável que ainda exista preconceito, se todos somos diferentes, em cor, raça, personalidade, classe social, aparência... mas todos seres humanos pertencentes a um país de raças mistas, mas são relatos como o que vc deixaste aqui que também me dão a certeza que podemos vencer o preconceito, cada um em seu papel de educador auxiliando nosso aluno a ser cidadão, que valoriza e compreende o papel do respeito e do amor ao próximo.

Bjos querida... voltarei...