sábado, 5 de junho de 2010

Vale a pena contemplar as sugestões dos alunos?


Observei minha turma e, a partir das constatações sobre seus interesses e/ou necessidades, elaborei um projeto pedagógico, unidade temática - seja qual for o nome - que possibilitasse a construção de uma série de conhecimentos e aquisição de habilidades esperadas para a sua idade cronológica ou, melhor, sua fase de desenvolvimento.
Durante a aplicação das atividades previstas, ocorreram pequenos - e até grandes - desvios na rota cuidadosamente traçada... Por quê? Será que o assunto, as estratégias e os recursos não contemplavam, verdadeiramente, os anseios da turma? Ou fui eu que não os conduzi de maneira apropriada, desafiadora e animadamente? A falta de interesse demonstrada por alguns alunos, especialmente na construção da maquete do prédio, na criação coletiva de uma história ilustrada e na sessão de relaxamento com massagem, levou-me a refletir sobre:
- sua curiosidade não foi despertada (por quê?);
- a possibilidade de interagir com outros recursos foi mais atraente (eu não deveria disponibilizá-los?);
- poderia eu "obrigá-los" a participar? Como? E se o fizesse, que resultados alcançaria?
Ao imaginar que todos contribuiriam ativamente com as propostas apresentadas, ignorei o que já sei há tempo, mas insisto em esquecer: o fato de que cada indivíduo tem o seu tempo e o seu modo de interagir com o meio e de assimilar/acomodar os conhecimentos. O aluno que "faz tudo" não aprende necessariamente mais do que aquele que apenas observa ou ouve o desenrolar da aula; aprende diferente. A posterior retomada dos conteúdos exige novas pesquisas e intervenções de minha parte, caracterizando constantes ações reflexivas que, apesar de trabalhosas e, muitas vezes, cansativas, qualificam a minha prática profissional e proporcionam uma agradabilíssima sensação de "dever cumprido".
Segundo o educador e filósofo brasileiro Paulo Freire, mundialmente conhecido a partir dos anos 60, por sua proposta revolucionária de alfabetização através da qual, para além da mera aquisição da linguagem escrita, a partir da realidade vivencial dos educandos e do diálogo permanente, busca-se a leitura e a compreensão crítica do mundo, para poder transformá-lo, "não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão."

Assumo, assim, uma postura de educadora-educanda problematizadora: questiono meus alunos sobre suas atitudes, ouço (e contemplo) suas sugestões, na medida do possível, e ainda devolvo-lhes muitos dos seus questionamentos, o que acarreta uma certa desestruturação no meu planejamento inicial, à medida que algumas abordagens/atividades são modificadas ou até eliminadas em favor de outras, mais pertinentes.
Ainda segundo Freire, não há diálogo sem amor ao mundo e aos homens, sem humildade, sem fé no crescimento do outro. Esta tríade gera, então, uma relação horizontal na educação, em que a confiança de um pólo no outro acontece naturalmente. A esperança (busca por ser mais) e o pensar verdadeiro, crítico completam a dialogicidade da educação como prática da liberdade, que começa "não quando o educador-educando se encontra com os educando - educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes." Ao analisar meu planejamento sob esta ótica, surpreende-me sua proximidade com o pensamento do grande mestre, uma vez que a organização do meu programa de ensino baseou-se muito nos Planos de Estudos da Educação Infantil, pela sua riqueza e pertinência, não como doação ou imposição, mero conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas devolução
organizada, sistematizada e acrescentada dos elementos que os próprios alunos me "entregaram" de forma desestruturada. O resultado? Uma educação autêntica, não de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, em mediação com um mundo que impressiona e desafia a todos, originando visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças (ou desesperanças) que implicitam temas significativos, base do conteúdo contemplado.
Então, já não me inquieto tanto com os "desvios de rota", mas percebo e justifico-os como consequência do papel ativo assumido por meus alunos no seu processo de aprendizagem escolar, o qual permito e estimulo, objetivando também o fortalecimento da sua autonomia e do seu pensamento crítico. E se me questionam acerca de uma dinâmica "chata" ou "sem graça", sugerindo outra, como posso reclamar de sua "audácia" ?
REFERÊNCIAS:
FREIRE, Paulo. A dialogicidade – essência da educação como prática da liberdade. In: _____. Pedagogia do Oprimido. 40ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. p.89-101.

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